quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Segunda semana _balanço


Fim de um ano difícil, para dizer o mínimo, de golpes e muitos choques com a realidade crua de um país que passa por uma crise institucional, política, crise de valores, crise do sensível, de empatia, de não sermos capazes de ver o outro como nós mesmos. Estamos na segunda semana de \perfura e segunda semana de dezembro. Daqui uns dias é Natal e logo mais Réveillon.

Começamos um ateliê de performance – esse centro gerador, catalisador de energia e acelerador de processos – com a coragem de encerrar esse ano de 2016 e dar os primeiros passos de um ano ainda mais transformador. 2017, um ano que promete nos levar a um ponto de mutação, o ápice da depuração de nós mesmos e de nossa realidade coletiva. É preciso coragem para começar um ano desses em performance. E dizem que coragem é o que a vida quer da gente. Que possamos estar nela com o melhor do que ela quer de nós.

Encerramos o ano em performance na presença e com ações de Raquel Pires, Elisa Belém, Marcelo Kraiser, Marta Neves, Nina Caetano, Marc Davi, Vanessa De Michelis e Ludmilla Ramalho. Cada um trouxe provocações e experiências instigantes, viscerais.

O desconforto dos sistemas burocráticos de regulação, avaliação e monitoramento – da provocação de Marta Neves –, cada vez mais incutido em nossas realidades cotidianas, a ponto de adestrar nossa percepção sensível. E o desembotamento da percepção sensível e um despertar para a própria pulsão de criação foi tema da fala de Elisa Belém, que compartilhou conosco o tema de suas pesquisas recentes em teatro e dança. Raquel Pires despertou os artistas e público presentes para as articulações do próprio corpo e para os hábitos que nós mesmos mantemos que restringem a expansão e maleabilidade do corpo, músculos e tendões.

O \mostra perfura e o \sarau aberto de performance foram dias de muitas ações. O feminino foi tema das ações de Nina Caetano, artista do \disseminário dessa semana, de Ludmilla Ramalho e Vanessa De Michelis. Com “Espaço de silêncio”, abordou inúmeros casos de feminicídio, dando voz e identidade a números crescentes. Numa ação de longa duração, intitulada “Fuck Her”, Ludmilla se colocou deitada nua, com o rosto coberto por um saco plástico, com o corpo coberto por ração e muitos pintinhos. Marc Davi, com seu “Ensaio para um corpo”, melancólico, barroco, apoteótico. Um exagero suave, quase etéreo e, no entanto, um paradoxo: suave e melancólico, exagerado e sublime, tons pasteis, bílis negra e canto lírico.

Estamos apenas na segunda semana de uma série de sete. 2017 vem com muito mais: presenças, ativações, provocações, ações e experiências. 

Que a coragem seja nossa parceira no novo ano que se abre.

Foto: Luiza Palhares

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O que tenho a dizer _Elisa Belém



Confira a seguir texto compartilhado por Elisa Belém em sua participação no Conversas Ensaísticas, no dia 13 de dezembro.

O QUE TENHO A DIZER NO MOMENTO SOBRE PERFORMANCE
                                                                                                                        Elisa Belém
                                                            “Que importa o sentido se tudo vibra?” (Alice Ruiz)
Em 2014, defendi a tese de doutorado Práticas para a plenitude do corpo – aproximações entre performance, autoria e cura, no Instituto de Artes da UNICAMP. A tese apresenta uma análise do trabalho das artistas Lygia Clark, Dudude Herrmann e do diretor teatral Enrique Diaz, a partir do conceito Pulsão de Ficção.
O conceito Pulsão de Ficção, cunhado por Sperber (2009) discute a ocorrência de uma possível necessidade inata de criar, a partir de uma investigação sobre a oralidade e as formas simples na literatura – contos de fadas, mitos, casos, causos, adivinha, fábula, legenda e saga. Na elaboração do conceito, Sperber defende a existência dos “universais” ou “saberes básicos”: simbolização, efabulação e imaginário. E indica que, esses elementos, comuns a todas as culturas e seres humanos, possibilitam a comunicação.
Parte-se do pressuposto de que a criança utiliza os recursos que possuí para criar, seja a linguagem falada ou a encenação corporal, a fim de elaborar emoções profundas e eventos vividos. Dessa forma, o imaginário se expressa mediante um conjunto de recursos, sendo o lúdico o mais forte e apresentando-se como um jogo cênico. A ação do jogo corresponde à aquilo que leva a criança ou mesmo o adulto a elaborar eventos vividos. O recurso à ficção conduz ao entendimento, apreensão do conhecimento, repetição e ressignificação possibilitando a mudança de padrões emocionais. O ato de criar é entendido como algo que pode conduzir à superação. Essa força criativa mostra que há maneiras próprias de produzir conhecimento por meio do vivido, ou seja, da experiência.
Conforme Sperber (2009) indica, essa pulsão, que está à disposição de todo e qualquer ser humano, deve também ser trabalhada. O estímulo à Pulsão de Ficção tem como objetivo despertar aquilo que as circunstâncias familiares, históricas, sociais e culturais calam ou reprimem. Isso pode ser feito, de acordo com Sperber, ao estimular-se a autoria, por meio da criação de textos literários nas escolas de ensino básico e médio, por exemplo. O intuito é suspender a censura externa ou interna que restringe a produção. A Pulsão de Ficção ou artística é, portanto, pulsão de expressão ficcional e, segundo Sperber, pode se dar por meio de quaisquer recursos – da palavra à imagem bi e tridimensional, o som, o movimento, a cor ou a forma.
Partindo dessa conceituação para a abordagem da questão da autoria, acredito que esta, uma vez estimulada, pode gerar uma ampla gama de expressões, discursos e linguagens. No devir da criação, o indivíduo revisita a si mesmo e ao outro, podendo elaborar suas experiências de vida, em prol de um “melhor contato afetivo com a realidade” ou um “desbloqueio de nossa relação com o mundo” (Brett. In: WANDERLEY, 2002, p. 9).  Seguindo a hipótese de que a criação pode ser uma necessidade, noto que o potencial para expressão inerente a todos os indivíduos é o que possibilita uma existência mais plena e alegre. Nesse sentido, criar corresponde à reinventar a si e as realidades ao redor. Creio que seja válido o estímulo à Pulsão de Ficção não só para a criação de narrativas e textos literários, mas também para a criação de obras no campo das artes visuais e cênicas, em todas as idades do ser humano. Nos fenômenos da dança, do teatro e da performance, o eixo central para essa reinvenção é o corpo. Trabalhar sobre o potencial de movimentação do corpo e sobre a possibilidade de criar imagens no espaço é um modo de transformar a si, de investigar a percepção e a expressividade.
A ideia de autoria e de superação, por meio da elaboração de eventos vividos e emoções profundas, pressupõe o desejo e a busca pela liberdade. A Pulsão de Ficção, uma vez estimulada, pode levar a processos de criação autorais em todas as áreas artísticas. A criação nas artes pode ser entendida como um trabalho sobre si mesmo, levando a desfazer hábitos de movimento, de pensamento e sentimento. O artista, ao utilizar suas próprias experiências de vida e visões de mundo como material para a criação, pode produzir obras autorais. Conforme entendo,  a autoria corresponde a um ato de recuperar a própria voz. Muitos foram e são silenciados – por outros, pelas circunstâncias ou por si mesmos, em reação às suas realidades externas. O silenciamento, no entanto, pode corresponder a um processo de desqualificação do sujeito. Recuperar a voz por meio da criação é um meio de trazer à tona a potência de vida, as particularidades de cada um diante do mundo. Ao assumir a própria autoria, se dá a ocorrência da ação de renomear e dar sentido a eventos alegres ou dolorosos e de renovar a capacidade de esperança, criando a partir de emoções e percepções profundas.
            A relação que proponho entre autoria e criação nas artes visuais ou cênicas corresponde às nuances presentes no ato da criação, referidas e elencadas a partir da minha interpretação do conceito Pulsão de Ficção. Muitas questões podem ser desdobradas a partir da relação entre performance, autoria e cura. Passei a considerar também outras duas palavras ao falar sobre o tema – vida e saúde, principalmente se considerarmos a ideia de vida em conjunto à uma certa noção de saúde. Essas duas palavras substituem também o termo cura, tendo em vista uma série de dificuldades implicadas pelo tema. Isto posto, levanto a questão do que poderia instaurar, a partir dos processos criativos e da composição da cena ou do ato da performance, aquilo que Rolnik nomeou como “uma espécie de ‘saúde poética’” (ROLNIK, 2005, p. 6), ou seja, uma “capacidade de relacionar-se com o mundo de maneira criativa” (Ibidem).Tais ideias foram por mim desenvolvidas em artigos que serão publicados em breve.
Referências bibliográficas
ROLNIK, Suely. Uma terapêutica para tempos desprovidos de poesia (2005).Disponível em: <http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/suely%20rolnik.htm>. Acesso em: 01 set. 2015.
SPERBER, Suzi. Ficção e Razão – uma retomada das formas simples. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2009.
VIEIRA, Elisa Martins Belém. Práticas para a plenitude do corpo – aproximações entre performance, autoria e cura. 2014. 283f. Tese (Doutorado em Artes da Cena) – Instituto de Artes, UNICAMP, Campinas.
WANDERLEY, Lula. O dragão pousou no espaço – arte contemporânea, sofrimento psíquico e o Objeto Relacional de Lygia Clark. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.




Foto: Luiza Palhares

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Sarau de performance, 18 _Guilherme Morais e Renato Negrão

Fechando o domingo, Guilherme Morais e Renato Negrão realizaram a ação "Parapelo".
Um movimento de dança com cabeças sobre dominação e poder.

Na descrição de Guilherme, a ação começou como "uma relação de expressão entre as cabeças que começou sem hierarquia e se transformou em ação hierárquica na medida em que o Renato levantou a tesoura e começou a cortar o meu cabelo enquanto eu me movia. Até que no final ele ligou a máquina e zerou o meu cabelo"









Fotos: Luiza Palhares

Sarau de performance, 18 _Vitor Çó

No sarau de performance do dia 18 tivemos a participação de Vitor Çó com a ação "Mundos Invisíveis".

A performance consistiu em produzir um ambiente sonoro a partir de água, roupa, um varal e objetos como panelas, frigideiras, vasilhas e caixas de isopor. Uma música de chuva bucólica dentro da galeria do Sesc Palladium.




Fotos: Luiza Palhares

Sarau de performance, 18 _Jonata Vieira

Logo após a ação de Zaika dos Santos, Jonata Vieira performou "Devora-me", uma ação longa de comer um frango inteiro com farofa, ao som do músicas natalinas e de porcos sendo mortos, enquanto ingeria litros de coca-cola.









Fotos: Luiza Palhares

Sarau de performance, 18 _Zaika dos Santos

O \sarau de performance de domingo, dia 18 de dezembro, foi aberto por Zaika dos Santos, que conversou com os presentes sobre o momento político atual.




Ao fim da tarde, Zaika dos Santos apresentou com o coletivo Nok é Nagô a ação "Jovem Negro Vivo", que contou com a participação dos performers Willian Araújo, Ana Martins e Scheylla Bacellar. Uma ação visceral de tirar o fôlego e emudecer, ocorrida ao som de metralhadoras e que abordava o genocídio de jovens negros no Brasil. Ao final, um áudio anunciava número, nomes, circunstâncias cotidianas e ocasiões arbitrárias de assassinato de jovens negros. O contraste entre o som das metralhadores e o espaço institucional de uma galeria de arte, assim como o uso de tinta gauche vermelha espalhada entre as mãos do público e o chão da galeria desloca a situação do massacre diário e invisível e evidencia espaços de privilégios.







Fotos: Luiza Palhares





Sarau de performance, 18 _Guilherme Morais e Álvaro Paiva

No domingo a tarde, Guilherme Morais e Álvaro Paiva conduziram a "Assembleia Geral Extraordinária Horizontal dos Caramujos Gigantes".
O intuito da assembleia foi consultar o público presente sobre o destino dos caramujos, recolhidos de um jardim "anônimo" e levados a galeria na semana passada numa caixa de plástico. Antes da consulta pública, foram fornecidas informações sobre a espécie exótica, trazida ilegalmente ao Brasil como substituto do scargô na década de 1980 e proibida pelo IBAMA – que prevê multa para quem o cultiva em casa. Transmissor de meningite e outras doenças, além de ser uma praga em lavouras, o caramujo gigante pode gerar até 300 crias em um ano e se alastrou por 23 estados brasileiros.
Entre curá-los, cozinhá-los, incinerá-los com sal e matá-los, uma pessoa do público se ofereceu para soltá-los no zoológico e visitá-los com frequência.
Não temos certeza se isso foi feito de fato.








Fotos: Luiza Palhares

\mostra perfura, 17

Marc Davi, Vanessa de Michelis e Ludmilla Ramalho foram os artistas convidados da segunda semana do \mostra perfura.

A primeira performance de sábado foi “Ensaio para um corpo”, de Marc Davi, começando no início da tarde. Uma performance apoteótica,

No fim de tarde, Ludmilla Ramalho realizou sua ação “Fuck Her”, em que se deitou nua no chão da galeria, com a cabeça coberta por um saco plástico e com o corpo coberto por ração e por inúmeros pintinhos. Um junção de elementos instigante que faz pensar sobre o corpo feminino como insumo disponibilizado e sem identidade própria.

Ao final da noite, Vanessa de Michelis apresentou "Terror Incognita", uma ação tecnológica sobre poder criativo feminino e intervenções, tecnológicas e hormonais sobre corpos femininos.







Ludmilla Ramalho, "Fuck Her"




Vanessa De Michellis




Fotos: Luiza Palhares