domingo, 18 de dezembro de 2016

Disseminário _Nina Caetano

No \disseminário da segunda semana de \perfura, a performer, professora e pesquisadora Nina Caetano apresentou a ação “Espaço de silêncio”, em que referencia atos de violência contra mulheres.

Na ação, Nina, com uma cruz vermelha sobre a boca, estende um lençol branco no chão e sobre ele desenha inúmeras cruzes vermelhas. Próximo às cruzes, Nina acrescenta nomes de mulheres mortas por maridos, companheiros ou namorados. Junto aos nomes, acrescenta informações de forma a individualizar a violência, dar uma voz, um corpo, uma identidade – para além da abstração de um número cada vez mais elevado de mulheres mortas diária e anualmente no país. Nome, idade, profissão, onde foi morta, como foi morte e quem a matou.

“É uma ação longa que tem chegado até 7 horas. Normalmente a primeira cruz que eu desenho traz informações sobre uma mulher morta naquele espaço em que estou fazendo a ação. Por exemplo, em Ouro Preto, comecei com o caso da Débora Souza”, explica em entrevista ao blog do ateliê. “Nesse ritual silencioso com que traço o meu legado de injustiças, cada etiqueta se transmuta em uma espécie de lápide, construindo ‘um cemitério simbólico’. Meu olhar é duro, não há condescendência. Pois cada um de nós precisa se haver com nossa parcela de responsabilidade por estar no mundo”, disse durante sua fala no \disseminário.

Nina conta que a ação começou muito como forma de manifestar sua própria indignação e revolta com a morte de tantas mulheres assim como o silenciamento e invisibilidade dessas vítimas. Ao mesmo tempo, Nina sente que a ação tem adquirido uma dimensão coletiva, na medida em que outras mulheres a procuram para relatar casos próximos de familiares ou conhecidas mortas pelos maridos ou companheiros. No centro da ação, Nina disponibiliza uma carta manifesto, que pode ser lida por quem se aproxima.

Perguntei a Nina se ela considerava que ao mesmo tempo que a ação se chama “Espaço de silêncio” ela traz muita visibilidade e voz para casos que são esquecidos e/ou nunca julgados. A performer concordou e destacou também as diversas camadas de silêncio do trabalho, como o silenciamento interno necessário à recepção do público, ao seu próprio silêncio (uma vez que ela mantém a boca fechada por uma cruz vermelha durante toda a ação) e o silêncio necessário a uma ação de longa duração.

Confira a seguir a Carta Manifesto




“Mulher, performance e violência”
por Nina Caetano

Todos os dias, nas ruas da cidade, mulheres são construídas.

Mulher princesa. Mulher boneca. Mulher rosa. Mulher sobremesa. Mulher de cama e mesa. Mulher doce dócil muda. Mulher morta. Mulher, uma obra em construção: Sorriso. Batom Boca Beijo. Depiladores hidratantes sutiãs pregadores talheres vassoura gleidy sachê escova progressiva inteligente. Silicone. Peito. Bunda. Coxa. 100% completa. Como você gosta. Pronta para consumo imediato. Sarada. Turbinada. Preparada. Plastificada. Espancada. Esquartejada. Morta. Jogada pros cachorros. na lagoa. no lixo.

Como você gosta?

Desculpe o transtorno, estamos trabalhando para você.

Mulher. Ser humano do sexo feminino capaz de conceber e gerar outro ser humano e que se distingue do homem por essa característica. A mulher em relação ao marido. Esposa. Casar. Amar e respeitar até que a morte os separe. Cuidar. Cozinhar. Limpar. Lavar. Passar. Sujeitar. Sorrir. Servir bem para servir sempre. Agradar. Transar. Mesmo sem vontade.

Mesmo sem vontade apanhar. Compreender. Apanhar. Perdoar. Apanhar. Esquecer. Esquecer. Esquecer. Morrer. Mesmo sem vontade. Todos os dias, nas ruas da cidade, mulheres são destruídas. Destruir. Dar cabo de. Aniquilar. Ex-terminar. A cada 90 minutos, uma mulher é assassinada no Brasil. 70% das mulheres mortas no país são vítimas de seus (ex) namorados, noivos, maridos. 10% desses homens são agentes da segurança pública. Amar e proteger. Conceição de Maria, 43 anos. Morta a socos pelo marido, policial militar reformado. Osailda, 45 anos, morta por envenenamento. O marido segue em liberdade, assim como o assassino de Débora Souza, 20 anos, atendente do Maria Bonita de Ouro Preto. Também em Ouro Preto, Amanda Linhares, 17 anos, foi ex-terminada pelo ex-namorado, delegado de polícia da cidade. Fernanda Sante Limeira, 35 anos. O ex-marido apontou a arma e atirou 4 vezes, sem que ela pudesse reagir. Em Corinto, cidade em que minha mãe foi sistematicamente espancada pelo meu pai sem que ninguém metesse a colher, Júlia, uma senhora de 80 anos, foi morta pelo marido. No Sul, Natália, 16 anos, grávida de 3 meses, foi morta pelo namorado com pelo menos 80 facadas, sem que ela eu você. sem que ninguém reagisse.











Fotos: Luiza Palhares

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