quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

E só termina quando acaba

Não deixa de ser curioso ter começado essas postagens sobre o \perfura com uma estrofe da Wyslawa sobre o "livro dos eventos" estar sempre aberto no meio, como se cada começo fosse apenas continuação, e chegar nessa reta final com uma frase senso comum do tipo "só termina quando acaba".

Uma discussão corrente entre filósofos insatisfeitos é o questionamento em torno da necessidade de sempre pensarmos dicotomicamente. Se não seria possível pensar o mundo e nossas experiência para além dos muitos pares de polaridades aos quais nos habituamos – para esquematizar a existência. Para além da dicotomia, há também a insatisfação com as tríades, ou por demais católicas – o pai, o filho e o espírito santo –, ou por demais hegelianas e a dialética da história – tese, antítese e síntese.

Uma das tríades sobre começos, continuações e fins fala justamente sobre a naturalidade dos ciclos da natureza. Tudo que é criado, se desenvolve (amadurece) e perece. Ciclo que se reflete no caminho de uma semente em direção à expansão em árvore e queda (e retorno) em forma de fruta. Em outras descrições de ciclos, temos as forças de Brahma, Vishnu e Shiva: criação, expansão e destruição.

Se o livro de eventos está sempre aberto no meio e a gente está constantemente presente num instante passageiro, aqui e agora – não mais – irreprodutível, o tempo dessa presença física, dessa temporalidade humana vive, mantém a vida, a partir de ciclos. É preciso recolher para depois expandir. É preciso silenciar para escutar. É preciso recolhimento interno para conseguir estar presente para o ambiente externo.

Um evento como o perfura traz inúmeros questionamentos sobre a possibilidade de estar presente sendo constantemente perfurado. Qual é o limite de elasticidade da pele? Aqui poderíamos lembrar que, conjunto de átomos, somos mais feitos de espaços vazios do que matéria densa. E no entanto, ainda temos um senso de materialidade a ser perfura, uma identidade a ser vazada, uma concentração a ser confrontada, atravessada, interrompida numa frequência sem previsão.

Ser surpreendido constantemente no não saber o que pode ser, no próximo minuto, tendo diante de si uma tarefa a cumprir: terminar um diálogo, revisar um texto, prestar a atenção numa outra fala, retomar uma atividade deixada pela metade. Concluir algo num fluxo de continuações.

O fluxo das interrupções, dos eventos e das trocas intensas e sucessivas só termina quando acaba – o contato constante de peles nesse espaço aberto de ateliê de performance chamado perfura.



Nenhum comentário:

Postar um comentário