Não deixa de ser curioso ter começado essas postagens sobre o
\perfura com uma estrofe da Wyslawa sobre o "livro dos eventos" estar
sempre aberto no meio, como se cada começo fosse apenas continuação, e chegar
nessa reta final com uma frase senso comum do tipo "só termina quando
acaba".
Uma discussão corrente entre filósofos insatisfeitos é o
questionamento em torno da necessidade de sempre pensarmos dicotomicamente. Se
não seria possível pensar o mundo e nossas experiência para além dos muitos
pares de polaridades aos quais nos habituamos – para esquematizar a existência.
Para além da dicotomia, há também a insatisfação com as tríades, ou por demais
católicas – o pai, o filho e o espírito santo –, ou por demais hegelianas e a
dialética da história – tese, antítese e síntese.
Uma das tríades sobre começos, continuações e fins fala justamente
sobre a naturalidade dos ciclos da natureza. Tudo que é criado, se desenvolve
(amadurece) e perece. Ciclo que se reflete no caminho de uma semente em direção
à expansão em árvore e queda (e retorno) em forma de fruta. Em outras
descrições de ciclos, temos as forças de Brahma, Vishnu e Shiva: criação,
expansão e destruição.
Se o livro de eventos está sempre aberto no meio e a gente está
constantemente presente num instante passageiro, aqui e agora – não mais –
irreprodutível, o tempo dessa presença física, dessa temporalidade humana vive,
mantém a vida, a partir de ciclos. É preciso recolher para depois expandir. É
preciso silenciar para escutar. É preciso recolhimento interno para conseguir
estar presente para o ambiente externo.
Um evento como o perfura traz inúmeros questionamentos sobre a possibilidade
de estar presente sendo constantemente perfurado. Qual é o limite de
elasticidade da pele? Aqui poderíamos lembrar que, conjunto de átomos, somos
mais feitos de espaços vazios do que matéria densa. E no entanto, ainda temos
um senso de materialidade a ser perfura, uma identidade a ser vazada, uma
concentração a ser confrontada, atravessada, interrompida numa frequência sem
previsão.
Ser surpreendido constantemente no não saber o que pode ser, no
próximo minuto, tendo diante de si uma tarefa a cumprir: terminar um diálogo,
revisar um texto, prestar a atenção numa outra fala, retomar uma atividade
deixada pela metade. Concluir algo num fluxo de continuações.
O fluxo das interrupções, dos eventos e das trocas intensas e
sucessivas só termina quando acaba – o contato constante de peles nesse espaço
aberto de ateliê de performance chamado perfura.
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