Dia desses desta última semana de \perfura, me peguei falando sobre um
teórico que gosto bastante e de quem o Paul Zumthor tomou o conceito de performance
para pensar a dinâmica da produção, transmissão e recepção das poesias vocais.
Esse teórico é o Dell Hymes, um etnógrafo, que fala que a performance seria,
nas comunicações vocais, uma competência comunicativa. Outras duas competências
comunicativas, anteriores em complexidade à performance, é a capacidade de
relatar e a capacidade de interpretar.
Durante o disseminário que conduzi falamos também sobre a diferença
entre ter uma vivencia (no alemão Erlebnis) e ter uma experiência (Erfahrung).
O interessante disso tudo é que, desde o início desses escritos em
torno do \perfura, tenho me visto nessa incapacidade de fazer uma reflexão
imediata dos acontecimentos. E pelo volume dos acontecimentos da programação,
vejo que as impressões de uma ação ou performance sede o lugar de atenção para
a próxima ação ou próxima demanda de atualização.
O foco é o tempo da reflexão e sedimentação de uma experiência. Do
mesmo modo que, concordamos, uma experiência estética não pode ser provocada
pelo simples comando ou sugestão, uma experiência ou uma vivencia tem seu tempo
próprio e imprevisível de digestão. É claro que com um tempo maior disponível
para a reflexão – por exemplo, dias mais livre após participar de uma
performance – essa reflexão pode acontecer num tempo delimitado. Mas também
sabemos que a digestão de algo que nos afeta reverbera em nós na medida em que
retomamos àquela experiência e a associamos com outras vivências, outras
percepções – na medida em que lançamos sobre ela uma outra luz.
Nesse sentido, desde que o perfura começou tenho exercido mais a
capacidade do relato por aqui e, ao mesmo tempo, percebido as demandas
específicas em torno da escrita sobre performance. É preciso, acredito (uma
reflexão ainda não embasada, mas sim intuitiva), fazer uma breve descrição da
performance, caso se queira comunicar com pessoas que não estiveram presentes
ou mesmo estabelecer relações ou adentrar numa reflexão mais pormenorizada. Há
alguns casos que, após feita a descrição, qualquer análise ou maior explicação
dos acontecimentos, dos elementos e das referências, soaria por demais
redundante – chovendo no molhado.
Me peguei muitas vezes me questionando qual outra via de relato que
não passasse pela descrição dos acontecimentos. Afinal, performance é uma ação
em curso. Isso está incutido na etimologia da palavra. Numa definição de
Zumthor, a performance designa uma ação em curso com um prefixo que aponta para
um inacabamento: uma forma-força, um dinamismo formalizado, mais um desejo de
realização do que uma obra acabada, um conceito a ser transmitido.
É difícil escrever sobre performance. E há muito o que dizer a
respeito dessa dificuldade. Uma delas é o fato de que sendo essa linguagem algo
não representacional, mas ativo e participativo – algo em que tomamos parte
como público, em que nossa presença faz parte da performance –, seria
impossível não se colocar como sujeito que percebe, que é afetado, que tem uma
experiência. Sendo uma poética artística que se faz como a oferta de uma
experiência e/ou uma vivência, nesse caso, a escrita sobre performance demanda
um se pôr a nu. Uma exposição de si mesmo na relação com uma performance.
Muitos outros textos deveriam ter surgido por aqui. Não foi por falta
de assunto ou discussão. É que o tempo da escrita também é outro, distinto do
tempo da experiência e do tempo da fala, da dinâmica do diálogo.
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