terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Sobre vivência, experiência e reflexão

Dia desses desta última semana de \perfura, me peguei falando sobre um teórico que gosto bastante e de quem o Paul Zumthor tomou o conceito de performance para pensar a dinâmica da produção, transmissão e recepção das poesias vocais. Esse teórico é o Dell Hymes, um etnógrafo, que fala que a performance seria, nas comunicações vocais, uma competência comunicativa. Outras duas competências comunicativas, anteriores em complexidade à performance, é a capacidade de relatar e a capacidade de interpretar.

Durante o disseminário que conduzi falamos também sobre a diferença entre ter uma vivencia (no alemão Erlebnis) e ter uma experiência (Erfahrung).

O interessante disso tudo é que, desde o início desses escritos em torno do \perfura, tenho me visto nessa incapacidade de fazer uma reflexão imediata dos acontecimentos. E pelo volume dos acontecimentos da programação, vejo que as impressões de uma ação ou performance sede o lugar de atenção para a próxima ação ou próxima demanda de atualização.

O foco é o tempo da reflexão e sedimentação de uma experiência. Do mesmo modo que, concordamos, uma experiência estética não pode ser provocada pelo simples comando ou sugestão, uma experiência ou uma vivencia tem seu tempo próprio e imprevisível de digestão. É claro que com um tempo maior disponível para a reflexão – por exemplo, dias mais livre após participar de uma performance – essa reflexão pode acontecer num tempo delimitado. Mas também sabemos que a digestão de algo que nos afeta reverbera em nós na medida em que retomamos àquela experiência e a associamos com outras vivências, outras percepções – na medida em que lançamos sobre ela uma outra luz.

Nesse sentido, desde que o perfura começou tenho exercido mais a capacidade do relato por aqui e, ao mesmo tempo, percebido as demandas específicas em torno da escrita sobre performance. É preciso, acredito (uma reflexão ainda não embasada, mas sim intuitiva), fazer uma breve descrição da performance, caso se queira comunicar com pessoas que não estiveram presentes ou mesmo estabelecer relações ou adentrar numa reflexão mais pormenorizada. Há alguns casos que, após feita a descrição, qualquer análise ou maior explicação dos acontecimentos, dos elementos e das referências, soaria por demais redundante – chovendo no molhado.

Me peguei muitas vezes me questionando qual outra via de relato que não passasse pela descrição dos acontecimentos. Afinal, performance é uma ação em curso. Isso está incutido na etimologia da palavra. Numa definição de Zumthor, a performance designa uma ação em curso com um prefixo que aponta para um inacabamento: uma forma-força, um dinamismo formalizado, mais um desejo de realização do que uma obra acabada, um conceito a ser transmitido.

É difícil escrever sobre performance. E há muito o que dizer a respeito dessa dificuldade. Uma delas é o fato de que sendo essa linguagem algo não representacional, mas ativo e participativo – algo em que tomamos parte como público, em que nossa presença faz parte da performance –, seria impossível não se colocar como sujeito que percebe, que é afetado, que tem uma experiência. Sendo uma poética artística que se faz como a oferta de uma experiência e/ou uma vivência, nesse caso, a escrita sobre performance demanda um se pôr a nu. Uma exposição de si mesmo na relação com uma performance.

Muitos outros textos deveriam ter surgido por aqui. Não foi por falta de assunto ou discussão. É que o tempo da escrita também é outro, distinto do tempo da experiência e do tempo da fala, da dinâmica do diálogo.

Que os temas discutidos reverberem. Que as experiências sedimentem. Que as reflexões sejam compartilhadas com outros e outros e outros, independente de terem estado no \perfura ou não. Afinal, o livro de eventos está sempre aberto no meio. E todo começo é apenas continuação.    

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