segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Quarta semana _balanço

A quarta semana de perfura passou deixando um rastro de pensamento em torno da voz. Mais do que pensamento, uma vivência intensa sobre a corporeidade do som vocal.

No início da semana, Flora Maurício nos presenteou com uma experiência de escutarmos a um programa radialístico compartilhando a copresença no espaço da galeria. Como nos portamos fisicamente e de forma coletiva quando nos colocamos na atividade da escuta de uma voz, na sua oralidade espontânea, sem contudo termos diante de nós o corpo de onde emana a voz? Deitamos, sentamos, inclinamos, de bruços, de costas? Por onde vaga o olhar? Para onde vaza o olhar? Importa na concentração e na produção de sentido?

A voz na \conversas ensaístas de Flora Maurício também evidencia sua potência como elemento performático. Deslocado do espaço da ação, uma vez Flora se sentou no espaço de camarim improvisado nos fundos da galeria, seu corpo se expandiu no espaço do ateliê a partir da fala espontânea e improvisacional. Apesar de fisicamente ausente, o corpo foi capaz de manifestar sua presença a partir da fala. O interessante a notar é a capacidade da voz não só de expandir o corpo no espaço – projetá-lo para além de si mesmo –, mas também de diluí-lo: uma fisicalidade impalpável.

No dia seguinte, quarta-feira, Benjamin Abras propôs uma experiência de Ressonância de Umbanda a partir de um elemento simples: o som vocal. Na ação, fomos convidados a ressoar as três primeiras vogais do alfabeto, expandindo a expiração e a ressonância em volume e projeção espacial. Foi uma vivência de se reconectar com outro ritmo do corpo. A sensação ao final do dia foi de tranquilidade e relaxamento.

Ao fim da semana, na última apresentação do \mostra perfura de sábado, Inácio Mariani realizou uma ação em que a voz sem corpo carnal também foi a protagonista. A ação de Inácio começou com o recebimento pela curadora de uma caixa de papelão enviada pelo correio. Dentro, uma caixa de som com pendrive e instruções, as quais foram acionadas por Ana Luisa Santos. A voz gravada ressoando através de um aparelho de som barato falando sobre presença física aqui agora nos provoca pensar sobre a tendência atual de as tecnologias da informação suprimirem o corpo e as dimensões físicas, a espontaneidade e dinamicidade do convívio social. Zumthor fala muito do volume da voz e do peso do que corpo que ela transporta. Uma voz gravada, que suprime a presença corporal, de onde emana, perde em espontaneidade, dinamicidade e fisicalidade. Uma voz gravada, com a qual estamos cada vez mais acostumados no cotidiano com o uso de WhatsApp e aplicativos de trocas de mensagem de voz, substrai a tatilidade do encontro. O interessante da ação de Mariani foi apontar para uma direção agindo a partir do seu oposto. Falar sobre presença, por exemplo, estando fisicamente ausente. Exaltar o aqui-agora através de uma mensagem de som gravada anteriormente, num tempo e num contexto que não este em que estamos agora presente através da escuta.

É também interessante notar que a escuta de uma voz ativa outra concentração corporal e outra disposição existencial. Sem o estímulo visual, a compartilhar ou exigir atenção, a mente concentra no som e o acompanha no seu fluxo. A voz não para e, ao mesmo tempo, esvanece. É preciso estar atento ao instante do seu fazer e desaparecer. Ao instante em que o som emitido ressoa e faz sentido em nós. E o sentido segue o fluxo do som, encadeando e desencadeando novas percepções, novas sensações, outras digestões. Zumthor dizia que "a percepção é profundamente presença".


E o som sempre ressoa. Enquanto a voz expande o corpo no tempo e espaço. A diferença é – sempre – onde e como estamos presentes.



Fotos: Luiza Palhares

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