terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Sobre cair de maduro

A possibilidade do finito ser infinito – ou do mortal ser imortal – se reflete na sua capacidade de amadurecer com os ciclos da vida, antes de morrer.

Postei na semana passada, a sexta de \perfura, sobre a naturalidades dos altos e baixos dos ciclos, o que pode ser encarado como pensamento dualista ou naturalista, não importa. O que me importa refletir nesse momento – e mais urgente – é reconhecer nesse "livro de evento sempre aberto no meio" a necessidade de se entregar para cada etapa do processo, decantar o desafio, atravessar o buraco da agulha com um aprendizado que tenha valido a pena a experiência.

O filósofo francês Philippe Lacoue-Labarthe certa vez descreveu o conceito de experiência indo na raiz da palavra. Ex-periri – dentro tantas outras origens para derivações distintas em cada língua – significa estar à perigo. E lembrou que experiência tem sempre uma dimensão de sofrimento. Eu sofro uma experiência. Eu me coloco numa disposição para atravessá-la.

Mais do que ser atravessado, porque há aí uma ideia de algo sendo perfurado, Lacoue-Labarthe dizia sobre atravessar o perigo. Nesse sentido, me ocorre a noção de resiliência. E talvez por isso me venha a imagem de atravessar o buraco da agulha. Ser capaz de se transformar e ainda sim manter-se a si mesmo, sem perder a identidade.

É curioso pensar o que perdemos pelo caminho, nesse processos em que um certo grau de sofrimento parece inerente, já que sofremos experiências constantemente. Nas primeiras semanas de \perfura, tendo escrito uma frase com carimbo tipográfico, como quem oferece um serviço e carimba um papel ("aluga-se: palco & aplausos para ego alheio"), brinquei que o ego é algo que a gente sempre pode perder um pedaço e viver bem, sem sentir falta.

Nesses processos de mortes incluídos em cada experiência é preciso aprender a deixar um pouco de si. Um pouco de si mesmo que não nos interessa mais. Deixar morrer, para então amadurecer e recomeçar novos processos, novos caminhos, novas trajetórias.

Estamos na última semana de perfura. É mais que natural o pensamento vagar sobre ideais de fim e, como comentado antes, relembrar com ironia que esses escritos começaram com uma estrofes da Wyslawa Zymborska: “Porque afinal cada começo/ é só continuação/ e o livro dos eventos/ está sempre aberto no meio".

Seguimos por esta última semana antes de nos despedir brevemente, ou preparar um hiato no livro de eventos de que é composto nosso cotidiano e existência.

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