quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A mise-en-scène do ateliê, por Marina Câmara

Confira a seguir trecho do texto preparado por Marina Câmara para o \conversas ensaístas

A mise-en-scène do ateliê
Por Marina Câmara

Começo este ensaio com a lembrança da sensação que tive tanto em um dos encontros que a Ana Luisa propôs na véspera da Abertura do Perfura quanto no próprio dia da abertura: ao entrar aqui na GTO a minha sensação foi de estar em um espaço com o qual me senti imediatamente familiarizada. Era um espaço de trabalho. Mas era também um espaço de convivência, de habitar.

No dia da abertura comentei com a Luiza Palhares o quanto a presença das plantas e aquela iluminação tinham tornado o espaço gostoso, agradável.

E
a resposta que ela me deu foi emblemática. Ela disse: “está ótimo mesmo. Essa luz, para foto, não é tão boa, mas pra gente é ótima.”

Por que eu decidi começar meu ensaio falando disso? Pois acredito que ela resumiu grande parte do que me pareceu ser, desde que tomei conhecimento do Perfura, sua proposta: atuar artisticamente, mas a partir de vivências cotidianas.

Fiquei pensando no nome do evento, Perfura.

Pra começar, é um verbo, ou seja, algo da ordem do discurso. E o fato, aparentemente simples, de ser verbo faz com que se trate de uma palavra que, “do ponto de vista semântico, contém as noções de ação, processo ou estado.”[1]

Em segundo lugar, este verbo está sendo conjugado no presente, o que é muito sintomático porque nos convoca para o tempo da própria ação.  Justamente, se a gente recorrer à definição de “presente” na gramática e na linguística, temos que o presente é este tempo verbal no qual “a ação decorre simultaneamente com o ato da fala [...] ou que é atemporal.”

Essa característica de ser, ao mesmo tempo em ato e atemporal, isto é, fora do tempo é muito interessante já que estar fora do tempo remete a ideia de estar fora da mensuração do tempo: algo que não é classificável em passado, presente ou futuro, mas que é híbrido, heterogêneo, ou que pode transitar livremente entre estas três compartimentalizações que nós humanos criamos pra ele.

É como Giorgio Agamben diz sobre declarar “eu te amo”: um ato que tem caráter performativo, já que o seu significado coincide com o ato do seu proferimento.[2]

E, por fim, o verbo perfurar, além de ser conjugado no presente, está na terceira pessoa, o que nos faz pensar na saída do binômio eu-você, já que está aqui incluído um outro.

Para além dessas breves notações sobre o primeiro nome do evento, Perfura, temos ainda a ideia de “ateliê de performance”, quer dizer: a performance em seu estado mais ensaístico ou, se preferirmos, a performance quase como uma mise en scène do ateliê.



[1] HOUAISS, 2009. Edição digital.
[2] AGAMBEN, 2009.

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