Como ateliê de performance, dessa linguagem poética tão imiscuída na vida, parece impossível não sentir na pele e trazer para a ação os afetos, o sensível e as questões que nos afetaram e provocaram tanto ao longo de ano passado. Como galeria aberta de um ateliê de performance, parece também impossível nos situarmos alheios aos movimentos introspectivos e coletivos de transformação.
Pode ser que as sutilezas não sejam percebidas a olho nu, ou compartilhadas verbalmente, mas como corpos perfuráveis, sensíveis e presentes estamos disponíveis e suscetíveis a sermos catalisadores de inúmeros processos – individuais e coletivos. Muitas vezes de uma forma que nem somos capazes de trazer a consciência, mas o fluxo dos processos passa por nós. Sentimos as provocações, as efervescências, as erupções. Por isso, talvez, o ateliê venha se configurando como esse espaço de trocas, sobretudo, de muito diálogo e muita abertura. Para descobrirmos juntos – verbal e corporalmente – algo que nos afeta, e que individualmente sentimos uma maior demora na descoberta. Sem isolamentos, aceleramos as digestões e as propulsões de criações, transformações e abandono do que não nos serve mais. E se este tem sido um espaço de trocas, para haver uma boa comunicação, um bom compartilhamento de experiência, nada mais imprescindível do que confiança. Pois nos sentimos escutados quando estabelecemos laços de confiança. Posso pisar aqui? Posso me abrir? Posso compartilhar uma dúvida, um incomodo, um “não sei bem o que é”? E como se abrir num espaço tão poroso, perfurado e perfurável? Você tem coragem?
É preciso coragem para se transformar. É preciso coragem para se deixar ao fluxo do tempo, decantar, se abrir ao desconhecido e fluir junto – amorosamente. Fluimos no fluxo do amor quando somos coletivamente.
Conseguimos fazer isso num ateliê aberto de performance?
Somos confrontamos constantemente a realizar a proposta. Estar presente, escutar, se abrir e ser atravessado, perfurado, afetado por inúmeros trânsitos de pessoas, percepções, universos, modos diversos de ser e estar no mundo.
A proposta, me parece, é compartilhar com afetuosidade. A fim de gerar esse senso de coletividade tão imprescindível nos dias de hoje. Numa época em que vivemos a insurgência de facismos de diversas facetas, criar um ser coletivo de amorosidade artística e criativa é um gesto de coragem e também de generosidade. Consigo – com as sombras desconhecidas – e com todos: reconhecer que somos todos luz e sombra. Faz parte do fato de ter volume e ser finito.
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