Por Luiz
Carlos Garrocho
Dos chamados e do Teatro antes do
Teatro: talvez ali já se encontrava a performance
Venho do campo do Teatro e, mais ou menos nos últimos dezoito anos,
começo a me interessar pela Arte da Performance. Atualmente ministro a
disciplina de Interpretação Dramática no Centro de Formação Artística da
Fundação Clóvis Salgado e lá desenvolvo um Laboratório na interface entre
Teatro Físico e Performance, na perspectiva site-specific.
Tudo isso são nomes vazios. Até que os nomes nos chamem – em que
atendemos os chamados, ou não. Alguns povos africanos dizem que um homem/mulher
não é nada até que o nome o chame. Então ele se mostra habitado, atravessado
por uma força.
Que forças habitam os nomes que usamos?
Quando se diz Teatro e Performance entendo esses nomes não como
núcleos substanciais, mas por linhas ou planos: da teatralidade e da
performatividade. Teatralidade: um lugar para o outro – que tanto o
ator/performador convoca quanto o espectador/participante pode criar, fazendo o
enquadramento (para lembrar John Cage: quer teatro? Sente num banco de praça e
enquadre um acontecimento). Da performatividade: chamar as forças a si – o
ritual. Como também pensar com desestabilizações incessantes e misturas impuras
(a Performance Arte).
Tudo depende de quais linhas de força estão atuando e de como elas se
entrelaçam. Tem teatralidade na performance e tem performatividade no teatro.
Entre o ator e o performador. Esse campo me interessa.
Dizem que o ator representa e que o performador não representa.
Depende de cada caso singular. Já vi eventos de performance em que os
performadores representavam...
Porém, já um teatro antes do teatro: o brincar. Arrisco-me a dizer:
ali já habitam traços performativos. Cresci nele e me formei nele. Volto a ele,
sempre.
O ator e o performador como o que chama. Mas também como o que atende
um chamado.
Práticas conceituais e práticas
performativas: contraefetuar o acontecimento
Minha
pesquisa se dá pela vertente da imbricação entre práticas conceituais e
práticas artísticas. Entretanto, tudo é pensamento. Pensamento conceitual que
se prolonga no movimento e movimento que se prolonga no pensamento conceitual.
Mas há um pensamento não-conceitual.
Não me
interessa ver o pensamento conceitual como um sedentário. Muitos artistas
querem isso dele. Ou quando o procuram, acreditam que ele esteja lá, sempre o
mesmo à espera de ser utilizado. Por isso toda aplicação é triste, limitadora.
Lembrar com Foucault sobre os Platôs
de Deleuze e Guattari: uma caixa de ferramentas. Como diz o pesquisador e
criador Fernando Pinheiro Villar da Unb: fazer do conceito um pé de cabra para
arrombar uma porta.
Os
conceitos podem ser ferramentas, então. Porém, sua potência reside na
capacidade que eles têm de contraefetuar
o acontecimento.
Pois na efetuação a virtualidade e a potência do acontecimento se veem assimiladas ao mesmo - torna-se codificável, prestando-se à formação de identidades fixas (o que seria uma identidade não fixa? Curioso...). O pensamento, desse modo, não explica uma ocorrência e nem se comportaria à espera de uma comprovação ou aplicação. Diria que o pensamento conceitual provoca, pergunta, inspira, impulsiona, margeia, perfura (olha aí...) o pensamento em ato (o da ação artística, da performatividade – mas principalmente da criança pequena, como daqueles que, diz a psicanálise, passam a ato, ao risco e também incorrem no delírio...). Ou seja, ele pode contraefetuar o acontecimento em curso de prática artística determinada, atiivando suas próprias potências ainda não efetuadas, que não cessam de devir. Aqui, o pensamento é tomando como criação - seja conceitual, seja artístico.Trata-se, assim, de acionar uma potência criativa para si, uma espécie de ação em recuo estratégico: em direção ao virtual. As histórias (não a história) das artes da cena, teatro, dança, da literatura e arte da performance – e até da música - são repletas de exemplos singulares de contraefetuação do acontecimento.
Contra um
eu que se estabeleça no Caos.
A pergunta
para o ator/performador: como sua prática aumenta ou diminui sua potência de
afetar e ser afetado?
Cada
criação singular tem uma versão toda sua do que é afetar e ser afetado.
O Contraponto Experiência
Nesse lugar eu venho me exercitando na pesquisa e na criação. Entre
momentos de estúdio e momentos de ação na rua ou nos espaços encontrados: dos
fechados ao vazados.
O
Contraponto surge no Laboratório de Teatro Físico e Performance, em 2011, no
Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado, em Belo Horizonte. Por
força de dois participantes, alunos do curso: Leandro Lara e Sitaram Costa. O
nome vem do nosso interesse em pensar arte como motivo e contramotivo (Deleuze/Guattari). Uma fase e uma defasagem
– um ar que entra, uma fresta que abre, um chão que foge...
Dedicamo-nos
às linhas da materialidade cênica, com ênfase no corpo, espaço e, dependendo
dos parceiros/parceiras, em objetos e sonoridades. A ficção ao lado da
performance – a primeira pode ser a potência do falso, a última pode ser um
jogo arriscado. Ou um lugar e um tempo para que os fantasmas retornem e
cometam, mais uma vez, seus atos (Novarina). Mas também algo ou alguém que os
desveste ou que mostra suas costuras...
Um dos
nossos treinos é uma modalidade de contato, inspirada nas artes marciais
(Capoeira de Angola principalmente), nos ataques e defesas animais, que vem
sendo desenvolvida por Sitaram Costa. Para os atores/atrizes e
performadores/performadoras. Outros são estudos improvisacionais, de partituras
psicofísicas e de improvisações com o entorno.
Buscar as
vizinhanças.
Outra linha
de atuação ocorre nos espaços encontrados, principalmente no meio urbano.
Os espaços encontrados: fechados e
vazados
Interessamo-nos pelos espaços encontrados. Por serem lugares outros,
por se inscreverem no movimento do urbano como espaços de heterotopias – de alteridade
em relação ao sistema das artes: galerias, teatros, centros-culturais e, agora,
shoppings.
Que lugares são esses? Prostíbulos, igrejas, cemitérios, casas,
apartamentos, hospitais, ruas, calçadas, mercados e por aí afora.
Dos
procedimentos e do dispositivo cênico
Quando vão
para a rua, os contrapontistas são desafiados a reconhecer que o corpo do outro
também pode ser parte da paisagem. E que o outro pode se posicionar
performativamente. A performance como a última ocupação em meio a outras ocupações
– algumas simultâneas.
Não
queremos que as pessoas deixam suas práticas espaciais para se tornarem
espectadoras. Por isso, estudamos o dispositivo cênico: o que faz ver, o que
faz falar – com foco nos processos de subjetivação e de enunciação e não meramente
nos enunciados (discursivos ou não).
Quando um
contrapontistas vacila no sentido de compor com o espaço, os outros, colegas,
alertam: - Está pedindo palco!
Nossa
pesquisa envolve três procedimentos básicos: compor a paisagem, desenvolver
a situação e compartilhar uma duração.
No mais, é
risco, aceitação e incorporação do fracasso (como é difícil), refazimentos
incessantes e posicionamentos na geografia do acontecimento. Em poucas
palavras, isso é o Contraponto
Experiência.
Foto: Luiza Palhares
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